José Pinheiro

Quando não sabemos, comparamos
Para o jovem Fernando, a Filosofia, sua matéria preferida, só tinha sentido quando ia além das perguntas e indagações. - Dignidade! Fernando queria conhecer melhor o sentido desta palavra. Para ele, a definição dada pelo dicionário, não era suficiente. Queria saber como é essa palavra na prática. Ela existe para todos ou é privilégio de poucos? Nas férias passadas, Fernando não foi para a praia. Disse para seus pais que iria para o "Sertão". O que significa isso? Um lugar muito distante? Pouco ou quase nada habitado? Lugar onde ainda a " modernidade" não chegou? É para esse lugar que o jovem estudante de Filosofia queria ir. Fernando viajou para uma cidade pequena. Hospedou-se em uma pensão simples. No dia seguinte, deixou a cidade e o asfalto. Durante três dias, esqueceu o celular. Seu objetivo maior era chegar até a um bairro rural, o mais distante daquele lugar. Queria chegar onde a luz elétrica ainda não tinha chegado. Queria visitar uma família, onde o almoço era feito no fogão de lenha, e conhecer de perto o tal de picumã. Motivado por esses propósitos não precisou ir muito longe e nem encher a barra da calça de picão e carrapichos. Mal entrou naquele caminho estreito, onde só se passa a cavalo ou pé. Aquele caminho que é o pessoal de lá, chama de "carreadô", encontrou com um senhor, do jeito que ele, moço da cidade, e de outros costumes, queria encontrar. O homem, talvez mais velho pelas intempéries do que pelos anos, tinha um semblante sereno. Desceu o feixe de lenha que trazia às costas, com a mão esquerda levantou um pouco seu chapéu de palha e estendeu sua mão direita, para cumprimentar o moço que vinha da cidade. Com cabelos e barbas mal cuidados, os dentes ralos na boca, os pés sujos e os calcares rachados, que a velha sandália não conseguia esconder, ou, pelo menos, disfarçar. O jovem, naquele momento, estava diante de um livro. Aquele livro que só se encontra nos sebos. Diante daquele homem que aparentava ter 60, 70 anos, o jovem estudante de Filosofia tinha as perguntas e aguardava as respostas. - Meu nome é Fernando. Venho de São Paulo. - E o seu? Me chamam de Sebastião. Sempre vivi aqui. Ao ouvir essa resposta. O moço ficou em silêncio. Precisava entender melhor. O moço da cidade, dono da pergunta, não se deu por satisfeito. Mas a conversa não evoluiu. Não era o momento. O rapaz acostumado com outros costumes, sentiu indefeso e pequeno diante daquela criatura, tão maltratada pelas intempéries da vida. Era só olhar aquele rosto sofrido, com apenas alguns dentes na boca. Seus olhos pareciam distantes. Mesmo assim, não davam sinais de cansaço ou de revolta, por aquela situação de vida. A pessoa que acabara de lenhar, e agora voltava para a sua choupana, com seu feixe de lenha, parecia aceitar aquela realidade que estava naquele chão, bem embaixo dos seus pés, quase descalços e de calcanhares rachados. Sim, parecia uma contradição. Mas era realidade nua e crua, naquele pedaço de chão. Era o instinto de defesa buscando o que faltava, no caso ou no momento, um pouco de lenha. - Idade? Adiantava o moço perguntar quantos anos tinha Seu Sebastião. Talvez já passasse dos 60, já beirasse os 70. Tinha importância saber. Era apenas uma curiosidade a mais, depois de saber o nome do velho. O moço da cidade, o estudante de Filosofia, viu o que queria ver, no "sertão", naqueles dias de férias. Não foi preciso muita conversa, para ele aprender a lição. Antes de se despedir do velho Tião. Prometeu, antes para si mesmo, e depois para o homem daquele lugar, que voltaria. Precisava conhecê-lo melhor. Precisava continuar a aquela conversa, que mal começou. O moço voltou para a cidade, para pousada. Precisava comprar um presente para o Tião. Dar presente não é coisa fácil, principalmente quando a outra pessoa tem olhares distantes e costumes diferentes. Dar um par de sandálias, uma camisa, uma calça. Qual dessas coisas ficaria melhor para ele?Talvez ele precisasse mais de atenção, de mais escuta. Talvez ele precisasse falar sobre os caminhos por onde andou. Na pequena cidade, onde Fernando estava hospedado, havia poucas opções de compras. Mesmo assim, o moço, estudante de Filosofia, conseguiu comprar o presente para Seu Sebastião. Um relógio (de parede), no seu entender era um presente bom e de grande utilidade para ele. Ele precisava conferir as horas. Se para o moço da cidade grande, as horas tinham pressa em passar, para o homem do feixe de lenha, era devagar demais.Fernando voltou. Precisava entregar presente. Mal chegou no carreadô, naquele caminho estreito que só cabe uma pessoa, estava o Tião ali, capinando ou simplesmente mexendo na terra. - Seu Tião! Trouxe um presente para o senhor. - Seu moço, "num carecia" (não precisava). Na caixa, bem embrulhada com um papel verde, estava o presente, o relógio. O homem da roça precisava de um relógio para acompanhar o tempo. - Não carece. Deve ter custado muito caro! Certamente, e quem garante que não, era o seu primeiro presente, em sua vida. - Dignidade. Seu Sebastião não sabia o que significava isso. E mesmo com as intempéries da vida, ele tinha dignidade. - Dignidade!O moço da cidade, mesmo vivendo outros costumes, reconheceu esta virtude, escondida e tão desprezada, naquele homem.José Pinheiro08.11.2025
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