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ADILSON JOSÉ CUNHA

Até Você

Há vinte anos que os ex-seminaristas, anualmente, se encontram. São ex-alunos dos redentoristas. E a cada encontro acontecido existe a expectativa do próximo.

Quantos são os que costumeiramente se fazem presentes e quantos são os que não comparecem por diversos motivos!

É um encontro de gerações, dos mais novos com os mais antigos. Poderíamos afirmar que é um momento de matar saudades? É muito mais que isso. Trata-se de sentir o outro, saber do outro que com ele conviveu, o que está fazendo na vida. Saber da sua saúde, conhecer a sua família. É uma socialização de mentalidades, de conhecimentos, de avivamento das ideias alfonsianas, momento de graças.

A cada fotografia que olhamos, nota-se a ausência de alguns. De alguns que vieram e não mais voltaram. Não gostaram do que viram e sentiram? Do que contemplaram? Talvez porque faleceram no decorrer dos tempos?

Jarbas, um rapazote paranaense que residiu no Seminário Santo Afonso e depois no Santa Terezinha, em Tietê. Faleceu no início da década de setenta de meningite e lá foi sepultado. Era um bom menino que ouviu dos companheiros do céu dizer: até você?

Depois dele, foram outros para o Reino Celestial, escutaram o mesmo vozerio: até você?

Do meu curso têm alguns: José Maules da Rocha, Leuze Lucas da Silva e Edélcio Costa Lima.

José Antonio Salgado, que era do mesmo curso deles, residia em Moreira Cesar e gostava de estar no coral da paróquia tocando teclado, faleceu em janeiro de dois mil e oito. Algumas vezes esteve participando dos ENESERs. Também ouviu seus companheiros cantarem: até você?

Sempre estamos escutando nomes de alguns que deixam esta terra para se juntarem aqueles que estão no Reino dos Céus.

Essa forma de convivência iniciou-se nos idos de noventa e cinco com Chico Mantuanelli, Manuel Hildergado e outros, incentivado pelo Pe. Libardi.

Há quanto tempo Chico chegou ao outro lado do mundo e ouviu as vozes: até vocêêêêê ? Os tempos sem Mantuanelli já são anos passados. Talvez na mesma época do Padre Agenor, que quando cheguei ao Santo Afonso estava indo para o noviciado em Sacramento-MG. Era um menino de ouro, tanto que ouviu sussurrarem aos seus ouvidos: até você? Pugliesi, que chegou a vir algumas vezes ao nosso encontro e, atualmente dá um timbre mais grave às vozes celestes emitidas com vigor.

Eles foram, aos poucos, engrossando o caldo daqueles que cantam. Foi o caso dos padres Matiazzi e Masserani, que abriram espaço para Torati e Carioca, bem como para Gilberto de Aparecida e José de Arimatheia de Lorena, que quando cursamos a faculdade de filosofia na UNISAL, era o secretário. Esquecer o casal testemunho: Antônio Bicarato e Benê, que sempre estiveram presentes em nossos encontros seria um grande lapso. Se aqui na terra encantaram, lá emitem sons ritmados a todos que chegam: até vocêêêêê...!

Cantaram para o padre Libardi, que sempre esteve acompanhando a UNESER. Um ser que seduziu a muitos, de fé alegre e esclarecida, cujas idéias se amoldavam às misericórdias de Deus anunciadas por Santo Afonso. Que acolhia a todos de braços abertos. Homem de Deus que trabalhou na formação, nas missões, chegando a ser Superior Provincial. Foi missionário corajoso, e apaixonado por Nossa Senhora. Suas idéias ficaram impressas em alguns livros, nunca fugindo do que pensa o Magistério da Igreja. Ao chegar aos céus encontrou grande grupo de amigos, que com ele conviveu. Foi mais um para cantar: até vocêêêê? Tanto para si como aos outros que chegaram depois. Auxiliou o grupo a entoar o mesmo cântico para o Mané, aquele que em tempos de seminário foi amigo de todos, desde Tietê, no Seminário Santa Terezinha, até no SRSA, em Aparecida. E na UNESER era aquele que acolhia a todos e estava presente em todos os momentos, tanto no ENESER como no retiro das Pedrinhas. Todos eles deixaram marcas e saudades. Certamente se uniram, no Reino dos Céus, a todos aqueles que beberam da mesma água jorrada por Afonso, Geraldo Magella, Clemente, Neumann e tantos outros redentoristas que gozam da beatificação divina.

Adilson José Cunha

Via Sacra


A via sacra não é senão percorrer os passos de Jesus rumo ao calvário. É meditar a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Tendo em vista aquele tempo podemos afirmar que algumas coisas mudaram. Aumentou o número de personagens. As vestes são outras. O caminho ficou mais longo.
O Cristo, porém, continua a sofrer e a morrer por nós, debaixo dos nossos olhos.
A rua da amargura passa por nossas cidades, corta nossos bairros, atravessa nossos hospitais, estão presentes em ...nossas cadeias. Passa pelos caminhos da miséria e do sofrimento, sob todas as formas. As prisões de hoje têm nomes diferentes:
-regimes políticos.
-sistemas econômicos.
-sociedade anônima.
-contratos.
-leis e regulamentos.
É pela loucura da cruz que Cristo remiu, e é pelo mistério do sofrimento que Ele continua a salvar.
A via sacra não só passa pelas ruas das nossas cidades como perpassa os caminhos mais secretos da nossa vida.
Jesus não caiu apenas três vezes quando em direção ao Calvário. Caiu muitas vezes e cada vez ia com o rosto em terra, por isso todo desfigurado.
Quantas vezes encontramos irmãos caídos, não por causa de cachaça, não por causa de drogas, mas porque o sistema econômico tira-lhe tudo o que tem. Tira o seu emprego, tira a sua casa, leva-o a ficar sem nada e ainda fica com o nome sujo na praça. E ele precisa morar, precisa comer, precisa se vestir, precisa dar conforto a bem estar à família. O salário mínimo de hoje deveria ser quatro vezes mais. Vivemos num mundo caótico, que ao invés de darmos as mãos pisamos na cabeça do outro.
Diz São Paulo na primeira carta aos Coríntios: "e não sabeis que o irmão é templo de Deus, faz parte do Corpo Místíco de Cristo?"
A Palavra do Mestre e essa: "ninguém pode dar prova maior de amor do que aquele que dá a vida pelos amigos" (Jo. 15,12)
Cristo nos amou até o fim. Amou-nos de verdade, que deu a própria vida por cada um de nós.
E a cada um de nós cabe a missão de cuidar dos irmãos mais necessitados.
"O que fizerem ao menor dos pequeninos a mim vocês fazem"

Os Engraxates em Laranjal Paulista

Na década de sessenta havia uma quantidade razoável de engraxates no
Largo São João. Foram tempos em que os homens usavam sapatos e gostavam de
tê-los, limpos e lustrosos. Aqueles meninos se faziam presentes nos finais de
semana quando as pessoas estavam a passear na praça e, numa roda de amigos, sentadas
nos bancos gélidos, jogavam conversa fora.

Era um serviço que eles prestavam e, uma forma de angariar um dinheirinho
para as despesas próprias como até colocar em suas mesas, alguns víveres para
a subsistência da família. Eram meninos pobres que saiam de casa logo de manhã
para estar a serviço de pessoas.

-----Quer engraxar? Era a pergunta que eles faziam aos homens
presentes naquele logradouro.

Alguns não gostavam porque eles importunavam, mas era uma forma de
fazer com que alguém se decidisse.

Ezelino Capeletti, morador vizinho ao Colégio São Vicente de Paulo,
estava sempre presente em torno ao chafariz. Era um comerciante de produtos
vários, digo, um vendedor que perambulava pelos comércios, tanto laranjalenses
como aos municípios outros.

Certa vez ofereceu ao Senhor Hermínio Zalla um saco de piões,
brinquedo da criançada e dos adolescentes, ao que disse não querer adquirirem,
porque não havia procura.

O que fez Ezelino?

Sentado no jardim em torno das águas que jorravam, chamou um daqueles
oficiais da graxa, deu-lhe um vintém e pediu que fosse a loja de Hermínio
comprar um pião.

Passado algum tempo chamou outro e fez a mesma coisa. E assim,
sucessivamente, de tempo em tempo, até que naquela mesma semana , quando Hermínio
avistou Ezelino, perguntou:

------Ezelino, você ainda tem piões? A procura por eles está muito
grande.

Ezelino respondeu:

-----Não tenho muito, mas tenho algumas dúzias. Assim que puder lhes trago.

E assim, o Capeletti atingiu o seu objetivo, que foi vender para Hermínio
o saco de piões.

Esses artífices, que empunhavam uma caixa às costas com todos os
apetrechos de que necessitavam para deixar um sapato novo, ganharam com as
artimanhas do Capeletti, alguns centavos a mais, para engordar o caixa da
semana.


Adilson José Cunha

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Jacintho da Cunha

Cidadão português, chegou ao Brasil em 12 de outubro de 1908, no porto de Santos.

Viera da freguesia de Santa Maria de Paços, Conselho de Sabroza, Distrito Administrativo de Villa Real. Paços fora sua última residência, em Portugal.

Na primeira vez fora morar em Pratânia, juntamente com Thomaz, seu padrinho de batismo e pai de criação. Os dois vieram a sós, mas voltaram a Portugal, a fim de desfazer das propriedades e trazer a família. Vale ressaltar que, apenas o padrinho tinha propriedades na terra natal.

Na segunda vez e, em definitivo, foram residir em Dois Córregos. Depois, para Botucatu, na região da Bocaina. Pratânia é município vizinho de São Manoel e Dois Córregos do município de Brotas.Todos eles se encontram na região botucatuense.

De acordo com outros dados, ou seja, a certidão de nascimento de Américo, meu pai, nascera na fazenda Santo Antonio. A avó Luiza Villela, filha de Manoel Villela e Joanna Villela, falecera nos idos de 1920. A "causa mortis" fora consequência de infecção do parto do último filho, Francisco, um menino que também falecera, não no dia do nascimento, mas pelos cuidados precários. Talvez teto umbilical, o que era comum na época, não descartando a desidratação, resultado de diarréia.

Jacintho, avó paterno para a maioria dos netos e materno para os descendentes de Gracinda, Maria e Inocência, nascera em 11/fevereiro /1879, sendo filho de José Corrêa dos Santos e Maria Benedicta. Falecera em 26 de abril de 1959. Seus restos mortais se encontram em Botucatu.

Além do casal, vieram com eles os dois filhos mais velhos: Manoel e Gracinda. Os demais filhos nasceram em terras brasileiras. Todos eles casaram com brasileiras (os), a saber: Gracinda com José Crespam, tiveram três filhos. Manoel com Tereza, com três filhos. Thomaz com Alice, sendo sete filhos. José com Ernestina, sem filhos. Antonio com Helena (foram meus padrinhos), com três filhos. Inocência casara-se com Adelino Rezende, dos quais nasceram três filhos. Maria unira-se com José Martins, que geraram quatro filhos. João casara-se com Araci e deles nasceram cinco filhos. Américo Francisco, meu pai, casara-se com Anna Apparecida, sendo que tiveram cinco filhos.

Todos os filhos do casal português estão mortos, sendo que, apenas três deles estão sepultados fora da terra natal: Américo em Laranjal Paulista. Inocência em Iperó. João em Sorocaba.

Dois dos filhos assinara Ervedoza: João e Gracinda. O avô Jacintho também assinara, ora Cunha ora Ervedoza. Contara meu pai, que o avô assinara Cunha, mas como havia homônimo na fazenda, e, para não haver complicações no armazém onde adquiriam víveres ,e, tudo era fiado, mudara o sobrenome para Ervedoza. Que o irmão João também assinara Cunha, mas como tivera problemas com o exército, também mudara o nome para João Ervedoza.

Sabe-se que, Luiza Villela, avó, fora sepultada em Botucatu no cemitério local, logo na entrada, em túmulo coberto por terras, mas que, por motivos não explicados, foram os ossos retirados e se perderam. Notícias de seu padrinho Thomaz, que com ele viera de Portugal, é de que tenha tido uma ferida na perna, e dela falecido. Que dessa úlcera escorriam bichos, chamados por eles de carneiros.

Segundo livro caixa 1927/1929 , constam duas fazendas : São Pedro e Bocaina. Nota-se que a moeda é réis. Pelas condições particulares, o proprietário se obriga a creditar ao colono duzentos e setenta mil réis pelo tratamento de cada mil pés de café; a cada cinqüenta e cinco litros de café colhido, a importância de um mil réis e por dia de serviço prestado a quantia de cinco mil réis. Ainda é permitido ao colono plantar: uma carreira de milho, duas de feijão das águas e feijão da seca, conforme determinação do proprietário ou seu ajudante. Que o colono será multado em cinco mil réis caso haja indisciplina e não boa ordem na fazenda. A multa será destinada ao Fundo de Instrução e Beneficência do pessoal da fazenda.

O livro caixa registra o nome do fazendeiro: Luiz Américo Ferrari. E neste mesmo livro, no ano de 1929 constam serviços prestados por Jacintho e os filhos: Thomaz, Américo, Manuel e Antonio.

Em Botucatu, adquirira duas glebas de terras, melhor dizendo, comprara duas chácaras, que antes de vir a óbito , dividira com os filhos. Uma delas centralizada à Rua Petraca Bacchi e aos fundos o Rio Lava-pés, na Vila Maria, enquanto a outra, situada à Rua Profª Garibaldina Pinheiro Machado Toloza, fazendo fundos com a Rua Istélio Machado Loureiro, no Bairro Dom Lúcio.

O Vice Consulado de Portugal em Botucatu registrou sua chegada sob o número 1469 no livro três de matrícula, tendo sido o vice cônsul da época o Sr. Delphin da Graça Cardoso.

Adilson José Cunha

Santa Paulina

Amábile Lucia Visintainer nascera em 16 de dezembro de 1865, em Vígolo Vattaro na Itália. Aos dez anos mudara-se para o Brasil com a sua família.

A região onde Amábile nascera pertencera ao Império Austro-Húngaro. Só depois mais tarde passara a pertencer à Itália. Destarte, a santa pode ser considerada austro-brasileira como também, ítalo-brasileira.

Napoleone Visintainer e Anna Planezzer foram seus pais. A prole deste casal era numerosa sendo que Lucia era a segunda numa escala de catorze.

Desde muito cedo se dedicara às coisas do alto e, feita a primeira comunhão, iniciara a participação na vida eclesial da comunidade. Como sua participação era intensa, fora dada a ela a responsabilidade da catequese paroquial. Ao mesmo tempo se encarregara da limpeza da capela e diariamente visitara aos enfermos.

A menina fora batizada um dia após o seu nascimento, tendo recebido o sacramento da crisma aos nove anos e a eucaristia aos doze. Como sempre, os sacramentos de iniciação cristã são administrados separadamente.

Juntamente com Virgínia Nicolodi, deixaram a casa paterna e foram morar numa choupana, passando a cuidar de uma senhora enferma. A sta.Visintainer estava com vinte e cinco anos. Fora o embrião da congregação que estava se iniciando. Era o dia doze de julho de 1890. Permaneceram nesse lugar por cinco anos , quando se transferiram para Nova Trento, ainda em Santa Catarina.

Ganharam nome. Filhas da Imaculada Conceição. Tratara-se de uma congregação diocesana, assumida por D. José de Camargo Barros, bispo da diocese de Curitiba-PR. No ano da mudança para Nova Trento emitiram os votos religiosos, ou seja, pobreza, obediência e castidade e tiveram os nomes mudados. Amábile recebera o nome de Ir. Paulina do Coração Agonizante de Jesus.

Em 1887, Amábile tornara-se órfã de mãe e fora obrigada a cuidar da casa paterna, até o pai se casar novamente.

As irmãs, para autosustentar-se trabalharam na roça como meeiras e na pequena indústria de seda que havia por lá.

Em 1903 fora eleita superiora geral e mudara-se para São Paulo e, na colina do Ipiranga, junto a uma capela, iniciara a obra da "Sagrada Família" para abrigar os filhos de escravos, órfãos e velhos. Ficara nesse cargo apenas seis anos.

Em 1909, passara a viver em Bragança Paulista e em 1918, como testemunha de vida, retornara a São Paulo, vivendo como simples religiosa, isto é, sem encargos. Fora morar na capital a fim de que sua presença fosse uma testemunha para as moças que estavam ingressando na Congregação.

Entre 1918 e 1938 cuidara das irmãs enfermas, rezara intensamente e começara a via sacra dos sofrimentos, devido à diabete que a levara a cegueira e amputações, começando pelo braço direito.

Buscara forças na Eucaristia, centro de sua vida. Tinha grande intimidade com o Senhor. Era devota da Imaculada Maria Santíssima. E era também desapegada e tudo fazia por todos, inclusive os mais necessitados , os abandonados , os enfermos.

Em São Paulo viera falecer no dia nove de julho de 1942, recitando a jaculatória: "seja feita a vontade de Deus".

Ir. Paulina fora beatificada pelo papa João Paulo II na visita que fizera a Florianópolis-SC e, canonizada pelo mesmo papa em19/05/ 2002.

Em sua homenagem fora erguido o Santuário de Santa Paulina em Vígolo, Nova Trento, Sta.Catarina.

Dia nove de julho é o dia da Festa Litúrgica de Santa Paulina. Que ela rogue por nós junto a Jesus Cristo, nosso intercessor.

Adilson José Cunha

Caminho das Bicas

Dezoito quilômetros de asfalto separam a cidade do bairro da Graminha em Pindamonhangaba. Ao terminar o negro asfalto, inicia-se o caminho de chão batido em direção ao município do Potim e, por conseguinte, acesso às cidades de Aparecida e Guaratinguetá.

Até a encruzilhada do Bairro das Bicas roda-se bem. Uma légua em média. E aí, Bairro das Bicas à vista. É só ir em direção. E não custa muito. Basta ultrapassar a fazenda do "Galvão" e enveredar morro acima. Não demora muito já está no bairro citado. Um bairro entre morros.

Quanto mais se adentra, mais morros meia laranja vêm à tona.

No lugarejo entre os morros, dois acidentes geográficos tomam lugar: a estrada e o rio. A estrada leva até o bairro e à "cuesta" da Mantiqueira, de difícil transposição, toda coberta de floresta. Nela estão as verdadeiras nascentes do rio das Bicas. Um é paralelo ao outro. É tão perto um do outro, que a mesma tortuosidade de um é do outro. E os morros que os contornam tem suas vertentes íngremes e, ao olhar os terrenos só se vê pragas sujando pastos: rabo-de-burro, capim-colchão, praga-mineira, lobeira, jurubeba, candeinha,capituva...

Quando o sol está se escondendo atrás daqueles morros, prenúncio de uma tarde longa, surgem os pombais sertanejos, as chamadas "legítimas", que fazem suas revoadas em busca de um lugar para dormir. Aumentam-se em demasia por faltarem os legítimos predadores.

Se a viagem se dá à noite, os curiangos vão dando o ar da graça como também aparecem os Lobos Guará. E assim que o sol se levanta, no amanhecer, os jacus, que aparentando uma galinha preta, estão por entre as árvores. O macho é muito mais bonito que a companheira. Cobiçadíssimos pelos caçadores, por ter uma carne saborosa, e, assim, vão se tornando espécies em extinção, o que é um desastre à mãe natureza.

Galgar os morros é extremamente cansativo. O gado está por toda parte, os de raça pura e os mestiços, os que dão leite e os de corte. Não há outro tipo, só o bovino.

Chove-se muito caem barreiras, vira um lodo só e a estrada fica intransitável. As águas do rio ficam barrentas por conduzir sedimentos das partes mais altas. E os montes, cada vez mais vão se arredondando pelo desgaste, pela erosão, tanto eólea quanto pluvial. E o leito do rio, nas suas partes mais baixas , vão se entulhando,sendo assoreado, tornando-o mais raso. Quando a estiagem é longa, ou fica um tempo longo sem que as águas tombem da atmosfera saturada, o solo do leito carroçável fica todo solto, virando pó.

O bairro das Bicas é atualmente um vazio demográfico da modernidade. Chega-se a ele em pé, após algumas horas. Muitos vão a ele por sofrer "síndrome do saudosismo", ou banhar-se naquelas águas límpidas. São os turistas das tardes ensolaradas e encaloradas.

Adilson José Cunha

Outra Vez a Vila Félix - Laranjal Paulista

Não sei afirmar quando as ruas laranjalenses foram asfaltadas. Só posso dizer que, quando criança, a Rua Francisco Bonifácio de Arruda, travessa da Duque de Caxias, não possuindo calçamento e rede de esgoto , as águas das casas, melhor dizendo, de banho, de cozinha e de tanque, corriam a céu aberto pela rua. Eram lançadas no pequeno riacho que nascia nas imediações da ponte da Rua Barão do Rio Branco e atravessara toda a propriedade do Senhor José Felix, adentrando as pastagens de Joaquim Cardoso, indo desaguar no Rio Sorocaba, que dali não era muito longe, o que é normal: os riachos e arroios, bem como os regatos e ribeiros tornam-se afluentes de outros rios mais volumosos.

Nessa rua residira a longeva Camila Bocarde, mãe de Luciano e de Neno. Eram os mais conhecidos. Havia outros que residiram mais distantes, sendo que um deles, conhecido por Tito, lançara raízes em Xavantes, no oeste paulista, e está na linha direta do apresentador da Rede Globo: Rodrigo Bocarde.

Não só conhecêramos essa senhora, que falecera aos noventa anos, como também fizéramos companhia a ela e por diversas vezes, pernoitáramos em sua casa quando ainda criança. Uma senhora de pequeno porte, fala cansada, cabelos brancos, e já com dificuldades de se locomover. O marido deixara-a muito cedo, com seus filhos e filhas.

No lado oposto, havia apenas uma casa, cujo dono era o Senhor Bepo Simonato, residente na Barão do Rio Branco. Vizinho a esta casa isolada havia algumas jabuticabeiras que sempre nos blindaram com seus deliciosos frutos. Pertencera à chácara de Totó Cardia, cujos filhos vivem na planície, não muito distantes dali. Um ou outro residem em longínquas edificações.

Naqueles tempos as nossas andanças consistiram, ou estar no Campo do Caxias ou no Barreiro, onde também existira um pequeno campo de futebol, onde os rapazes aglutinaram para bater bola nas longas tardes de verão. Era propriedade da família Salto. Desse local foram retirados barros em abundância para confeccionar telhas. E nas imediações, a chácara do Salatiel, com inúmeras árvores frutíferas, inclusive as apetitosas mangas. A molecada se deliciara, embora corressem riscos de serem pegos ou levarem tiros de sal.

A chácara era enorme, tomara uma rua em dimensão linear, lado esquerdo para quem descia até o matadouro. Do lado direito, a chácara das Irmãs Vicentinas que também ocupara toda a viela, indo até o local onde se abateram inúmeras rezes. Aí residira Orestes Chiruba e toda a família.

Existiram outros moradores nesses arredores: Nadir Diccini que falecera há pouco, irmão de Hugo. Tivera ele uma pequena oficina na Barão, logo na entrada da Cerâmica Santo Antonio, onde ferrara cavalos, batera bicos de arado. Paulo de Matos, do qual já faláramos em um outro texto intitulado "Paulo Faé e sua carroça". Augusto Roma, pai de José Aramis, Vinicius e Antonio Roma. Quando menino, fora ajudá-lo, na Cerâmica do Salto, a fazer telhas cumieiras, conhecidas por capelo, e paulistinhas. Eram feitas a mão, a prensa era à base da força humana.

Augusto Roma e o filho Antonio adquiriram um terreno na esquina com a Rua Sebastião Arruda Lara e aí edificaram uma casa geminada. Antonio aposentara-se na EFSorocabana, e, nas horas vagas, juntamente com Vinicius, seu irmão , fabricaram artefatos de ferro para confecção de cangalhas usadas em carroças . Lembro-me que chamaram de canzis. A pequena oficina funcionara nos fundos da casa de Vinicius, na Praça D.Pedro II. Quantas e quantas vezes ali comparecera para pintar esse produtos feitos de ferro. Um fogão a base de coque, um fole para acendê-lo e conservá-lo, uma forja e uma bigorna. Quando o ferro estava avermelhado, os grandes martelos modelaram a matéria ardente. Era preciso ser rápido, senão batia em ferro fria e nada se conseguia, tendo que voltar ao fogo.

Na região baixa dessa rua , cruzamento com a Sebastião Arruda Lara morara um casal: Avelino e Vicentina cujos filhos , em número de três, eram: Adão, Hortência e Abigail. Morrendo o Sr. Avelino, a consorte casara-se como Cesário, empregado de Chico Alemão. Adão, atualmente é pastor evangélico. Hortência, casada com Vicente Barbeiro, reside no Mato Grosso do Sul e Abigail casada com Toninho Varjão, que antigamente trabalhara na antiga residência, era o responsável em levar o engenheiro ferroviário para onde quer que fosse. Era uma espécie de automóvel que andava sobre os trilhos. Falecera recentemente.

Lembremo-nos de Toninho Português, que atualmente mora fora da terra natal. Era filho de Elias e Luzia, moradores últimos da Francisco B.de Arruda.

Não basta deixar relatado o que vivêramos. É necessário que os fatos venham à tona.

Adilson José Cunha

Em Outros Tempos-Laranjal Paulista

Situando-me. Um mil e novecentos e sessenta e três. O ginásio não funcionara mais no prédio do Grupo Escolar "Quinzinho do Amaral", mas na Rua Duque de Caxias. Os professores eram enérgicos e, faltando décimos, cursaria o ano novamente. Os tempos eram outros.

Nesse tempo, eu vira os idosos caminhando, alguns sentados em frente à residência ou fazendo parte de uma roda de amigos, conversando por longos tempos, enquanto outros eram amparados. Nunca me imaginara com essa idade, muito menos, aposentado. E agora vivo essa situação, sabendo que o tempo urge. De umas coisas vibrando, de outras me arrependendo. Tudo poderia ser diferente. E quantas vezes, nas minhas introspecções, me questiono:- -----por que não tomei outros rumos ? Por que estou neste lugar? Por que eu e não outro? Deus escreve certo por linhas certas.

Naquele tempo eu já trabalhara com Gilberto Delazari. O caminhão que transportara leite na região sul de Laranjal era da marca Chevrolet- ano 1948. Só tinha pneus e motor. Direção e freios nem pensar. A cuíca era a grande culpada. De repente, surgiu um GMC ano 1951 reformadinho, na cor azul, muito bonito , dava gosto guiá-lo e, para a zona norte - Distrito de Laras, emergiu um caminhão diferente que alegrara os olhos ao vê-lo: ano 62 também Chevrolet . Quando o caminhão tanque não comparecera, colocara sobre ele o leite acumulado naquele dia e uma vez resfriados, o destino era a Rua Rio Bonito em São Paulo, matriz do Leite União.

Nos momentos em que não estara rodando na linha de leite e na escola, perambulara pelas imediações do posto de gasolina, onde funcionara a Oficina de Elidio e José Falsin, cujos funcionários eram inúmeros, entre eles: Mauro Silveira, Tarcisio, Mingo Feltrim, Dito Careca e outros. Por ali também a Agência Willis de Joanim Marcon e o bar de Chiquinho Pessim. Não sei de quem era uma borracharia ali existente! Só sei que ajudara a arrumar muitos pneus: de carros de passeio e de caminhão. Lembro-me que uns tinham o tamanho de novecentos por vinte. Nem sei quem recebia pelos serviços realizados!

Assim como havia veículos que buscaram o leite da madrugada no Bairro das Abóboras e no Distrito de Laras, outros caminhões saiam para outros cantos. Recordo-me que um deles rodara pela Rodovia Marechal Rondon,região de Pereiras, ultrapassara a ponte de Bidico. Nela aconteceram alguns acidentes, como o foi o caso de um caminhão de álcool. Não resta a menor dúvida que, como rapazes que éramos, lá fomos buscar alguns litrinhos e os colocáramos em latões de leite, pois, comportariam cinquenta litros. A memória gravara também outro, e desta vez , com o caminhão de leite . Nele, não sei por que, estara um empregado do laticínio, que veio a óbito: Dito Chepa. Lembro-me que residira na Rua Sebastião Arruda Lara, vizinho de Nhá Bina. Sua casa fizera vizinhança com a EFSorocabana, não muito longe do pontilhão da Rua Barão do Rio Branco. Sempre de macacão e à disposição para quaisquer serviços. Não só vivera na pobreza como deixara grande número de filhos.

Todas as tardes presenciáramos caminhões diversos carregados de telhas. Nos postos checaram os combustíveis, água, óleo e pneus. Estariam prontos para, na madrugada, roncarem os motores e rumarem aos destinos determinados, para que no período da tarde, ao estarem de volta e numa mesma rotina, na madrugada posterior ir ao destino da anterior. Eram eles: Germano Castanho, Nino Capucho, Nino Fornazieri, Toninho Capucci... Eram telhas das cerâmicas Santo André, Santo Antonio. Santa Terezinha não deixando de citar os produtos da Cerâmica Scudeler. Daqueles tempos existem outras histórias que contaremos em outras oportunidades.

Adilson José Cunha

Bairro das Abóboras: do Leite ao Café

Linha de leite era um serviço que se fazia com caminhão, todos os dias, ao amanhecer, em busca do leite da madrugada tirado por abnegados homens do campo.

Normalmente, o caminhão carregava latões de cinquenta litros . Sempre se dirigia em direção às fazendas e sítios, para trazê-los ao laticínio. E havia a responsabilidade de chegar o quanto mais cedo. Era um trabalho rápido para que o leite não adquirisse acidez.

Em Laranjal Paulista, à Rua Ordele, havia um casarão velho erigido em um amplo terreno. Era trazido pelos caminhões, que atendiam às várias linhas leiteiras. Esse meio de transporte saia todos os dias de manhãzinha e retornava em torno das onze horas. As mais curtas e de mais perto chegavam cedo. As mais longas e mais distantes demoravam um pouco mais para chegar.

Uma das mais longas era a do Bairro das Abóboras, que servia os bairros da zona sul, ou seja, Bicame , Boa Vista, Abóboras e Abaulado.

Atualmente, todas as estradas estão asfaltadas, mas naquela época eram diferentes: terra, chão batido, poeira, barro, pedregulho.

Como sempre, os governos municipais não olhavam e nem olham pela zona rural, correndo o risco de ficar atolado quando a chuva torna-se abundante, principalmente , quando as pedras não estão em seus devidos lugares,manifestação da falta de manutenção.

Em não havendo condições climáticas favoráveis, os transitáveis, como é o caso do leiteiro, às vezes chegava após as quatorze horas.

O leiteiro levava no seu bojo, não só latões de cinquenta litros, mas também latões pequenos, os quais serviam os donos ou parentes daqueles que tinham um pedaço de terra e viviam na cidade. Ás vezes levava encomendas e até mesmo pessoas que, ou iam à zona rural ou vinham em direção à cidade.

No inicio, o caminhão era do tipo Chevrolet, ano quarenta e oito e mais tarde, um GMC, no cinquenta e um. Eles não eram muito qualificados para o transporte, pois, aquele tinha problemas de direção e de freio, enquanto o mais novo era um pouquinho melhor.

Certa vez , descendo a ribanceira do Bairro do Bicame, antes de entornar para fazenda do Senhor Antonio Valdrighi, a barra de direção desprendeu-se e o caminhão subiu no barranco que margeava a estrada e tombou, caindo de lado, jogando para fora todos os latões. O condutor caiu por cima de quem estava no lugar do ajudante, e outro, que se encontrava em pé, na carroçaria, teve a felicidade em acompanhar o movimento e nada sofrer.

Foi um dia ímpar e uma das façanhas que ocorreu com aquele Chevrolet.

Dois instrumentais não podiam faltar no caminhão além dos latões evidentemente: a lata medida e a caderneta, em a qual e marcava-se o quanto cada fornecedor entregava diariamente. Todos os dias sabia-se o total, que, necessariamente, deveria coincidir com o volume entregue. Raríssimas vezes, o total e o volume não batiam. Por isso, todo cuidado era pouco para as medições e as marcações. Em especial, para não prejudicar o fornecedor, que já ganhava tão pouco pelo litro de leite. Até hoje, o fornecedor é o mais prejudicado.

Em cada ponto que o veículo de transporte passava quase sempre alguém estava esperando, ou para entregar o leite e conferir a medida, ou para dar um recado qualquer, ou ainda, para tentar uma carona. Entre elas, senhores, senhoras , jovens e até crianças. Em sua grande maioria, eram os donos de reses , que haviam saído cedo da cama e ali entregando o fruto do seu trabalho. Gostaria de lembrar alguns nomes: Estevam Baldassim, José Ghiraldi, José Crozatti, os irmãos Stringhini: Lelo,Zézito e Anselmo, os da família Molon, Costa, Consorte e outros ainda que a memória não alcança . Penso que tais nomes e famílias representam bem a todos , que naquele diário, revestido de couro , estavam registrados. É difícil recordar, quando os anos já passam dos quarenta.

Adilson José Cunha

Boné ou Eletrônico


A estrada usada por mim, da residência até a escola, não é complicada e nem muito longa, mas o suficiente para me conduzir a um lugar conhecido de poucos, em se tratando de escala regional.
Com facilidade chego à unidade escolar, por onde já passaram inúmeros alunos, bem como professores e professoras diversos.
A escola tem portões de acesso. Um deles é pequeno, que passando por ele se chega às dependências primárias do prédio. Outro é servido pelos alunos e outro ainda é aquele. Aquele. Aquele que ora precisa ser empurrado para abrir e ora funciona no controle remoto. Precisa-se adivinhar a forma.
A juventude que compõe o grupo estudantil matutino, paulatinamente chega e vai se amontoando por sobre os bancos de concreto armado gélido. Se tocar o sinal não o escutam, ou porque estão envolvidos nas fofocas do dia anterior, que foi noite adentro, ou porque estão a escutar as músicas mais atordoantes, ou ainda porque o banco frio, enregelando o lordo, provocou amortecimento da audição.
Um acompanha o outro. Mas quem sabe com a ausência daqueles bancos, ouviriam a sirene e para a sala iriam sem dificuldades. Juntos criam-se resistência.
Jean Jacques Rousseau, um pensador francês do séc. XVIII, que colocou a liberdade como bem suprema, afirmou que: "o homem é bom, a sociedade o perverte".
Lembram dos estudos da Revolução Francesa e da Inconfidência Mineira? Lembram que suas idéias as embasam?
Os poderes de Estado, em especial o judiciário, na pessoa dos meritíssimos senhores juizes de direito, não imaginam a sociedade constituída por adolescentes e jovens, que se acotovelam em sala de aula, tendo à frente dela abnegados e entusiasmados mestres e mestras. E que diante de tal situação, além de salários ínfimos, deveriam ser merecedores de bonificações, não só pela permanência em sala de aula, como também pela situação insalubre.
As aulas não se iniciam enquanto cada um não ocupa o seu lugar. Se um não vai, o outro também não se acomoda.
Todos os dias o ritual é o mesmo:
-um pequeno café da manhã.
-palavras soltas com os amigos.
-boné em mãos, a muito custo.
-e os eletrônicos?
Em sala de aula e fora dela estão presentes. Faz parte da sociedade moderna. Eles estão: nos lares, nas ruas, nas escolas...
A educação faz parte da plataforma política daqueles que almejam o poder público, mas continua precária neste país, juntamente com a saúde. Andam de mãos dadas.
O Japão, no pós guerra, investiu maciçamente em educação e hoje é uma nação pujante. Mas não serve de exemplo para os governantes que se dizem democráticos e criativos, a ponto de afirmar:
----o "meu governo investiu muito em educação"?
Lembremos que a sociedade necessita de bons profissionais, mas que os eletrônicos e os bonés não os preparam para o dia de amanhã.


Adilson José Cunha

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Fala São Francisco

Como eu gostaria de falar, abrindo meu coração às pessoas - àquelas que não têm noções do meu sofrimento ao longo dos anos. Já fui feliz e vivia contentíssimo quando esbanjava saúde, quando as águas eram abundantes.
A vida sã auxiliava a população ribeirinha, que vivia da pesca, da agricultura e da pecuária. Sempre falaram da minha importância na vida deles.
Hoje vivo com sede, mas lembro-me que sempre fui um rio de muita água e em detrimento dessa minha situação confortável , as pessoas tinham vida em abundância .
Nasci muito longe da minha foz, distante mais ou menos três mil quilômetros e confesso que minha infância ocorreu lá pelas bandas da Serra da Canastra, no estado de Minas Gerais, lado norte da Mantiqueira. Eta gente boa! Se dela dependesse, minha vida seria uma eternidade.
Velho Chico como é o meu apelido, vivo cansado. Cansado de ser generoso e de ver a população que me cerca, sofrida, idosa e sem saúde.
Dependo de alguns coadjuvantes, cujas águas jorram sobre mim para continuar a viver. Seus nomes são diferentes : Rio Grande e Rio das Velhas, não podendo deixar de citar o Paracatu, o Corrente e o Paraopeba. Faço festa quando suas águas me molham e como teria imensa satisfação em vê-los me encharcando. Eles colaboram para que eu mate a sede de outros amigos, que me auxiliam na irrigação de grandes extensões de terras, que são nada menos que seiscentos quilômetros quadrados.
Nas minhas andanças por esses Brasis afora, conheci indivíduos chamados de biomas, quais receberam os nomes de: Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica. São velhos como eu, e sofrem dos mesmos desmandos humano. Com a história de sustentar a economia do país, enchem os próprios bolsos. São os empresários, latifundiários e políticos que exercem uma função chamada "curral eleitoreiro". Ah! Por falar em curral, esse é também outro epíteto que me deram "rios dos currais", nada haver com aquele.
Se assim continuar, as minhas águas vão escassear-se e os biomas, quais foram dantes amigos, tornar-se-ão desertos.
Os homens construíram pontes para passar de uma margem à outra, mas existem lugares sem elas, onde as pessoas se movimentam com facilidade e o fazem por entre as pedras.
As minhas águas vão saneando, ao longo do curso, outros estados, como é o caso da Bahia, de Pernambuco, de Sergipe e de Alagoas. Por isso sou conhecido como Rio da Integração Nacional e olha que fui engendrado em terras brasileiras, dela nunca saí, e jogo as minhas poucas águas no Velho Oceano Comercial, contribuindo para com o aumento de suas águas e, digo mais, de doce que me era tornei-me salgado e assim pude escrever com letras garrafais : Genuinamente Brasileiro.
Não sou todo navegável, mas levo no meu bojo: sal, arroz, soja, cimento, areia, produtos manufaturados, madeira (que é uma pena!), alguns minerais e ainda levo turistas para passear, quando podem ver as mais belas paisagens ribeirinhas.
Dois fatos foram acontecendo em minha vida. Um deles é o represamento das minhas águas que servem até hoje para gerar energia elétrica. O outro é mais grave que este, pois, desviaram minhas águas dizendo que é para resolver o problema da falta d!água no sertão nordestino , mas na verdade a história é bem outra : servir a agroindústria , o que está me deixando irritado , pois , as pessoas pobres não estão tendo acesso a essa grande fonte de vida, e para que isso não aconteça, estão colocando cerca ao longo dos canais e farpeando, fazendo com que a população não se achegue a mim.
As águas que levo na minha cauda servem apenas aos poderosos desta terra abençoada , mas tornar-se-ão malditas quando só servirem aos coronéis da região.

Largo São João-Laranjal Paulista

Nos anos sessenta, os moços e as moçoilas, aos finais de semana, davam voltas em torno da praça. Quantas famílias resultaram desse passeio. Rodavam em sentidos opostos, horário e anti-horário. Enquanto as meninas iam, os rapazes voltavam. Era algo interessante, mas tudo não ultrapassava as vinte e duas horas.

Trazer essa praça a lembrança é reviver o que havia em derredor da imponente Igreja, erigida em louvor a São João Batista no inicio do século passado. O bar dos Carducci, que dantes fora Bataglini, sempre fora frequentado com intensidade pelos homens. Vizinho a esse bar, um senhor de meia idade, costumeiramente uma piteira na boca, atendia sua freguesia com esmerada educação: Orestes Zalla. Ainda nessas redondezas a loja de Emilia Paezane.

A família Zalla era enorme. Ezelino, atencioso, a freguesia ficava bem à vontade quando se tratava de encadernação. Dona Estela, à porta olhava o movimento. Marca-me muito um episódio em que, meu irmão, estando com torcicolo, foi levado por minha mãe até ela. Apenas tocou em um dos seus dedos e tudo ficou no lugar. O que dizer de Manuncio se dele nada sei. Só sei que vizinho desse povo, havia um quitandeiro, barrigudo e brincalhão: Pedrique Meucci. Afirmam os de outrora que era mais um armazém que uma quitanda. Lá vem Hermínio Zalla, o tio patinhas, que na tenra idade perdeu os cabelos. Certa vez candidatou-se a prefeito municipal e conseguiu ser um alcaide da vida. Alcaide, não no sentido pejorativo, mas no verdadeiro sentido da palavra. Quis a todo custo, fazer uma fonte luminosa no lugar onde é o coreto atual. O de antigamente era mais chick. Na loja de Hermínio tinha de tudo, como também parecia um depósito de coisas antigas. Ali se achava a figura de Mexerica. Quem dele não se lembra atendendo a freguesia e apitando jogos? Aproveitando o ensejo, como é bom rememorar Gazogênio! Para terminar o cateto, matematicamente falando, lembremos de um senhor, na entrada da Conselheiro Antonio Prado: casado com a senhora Abdala Fadel Aun, cujas filhas eram: Leila,Geni,Adma,Fádua e Julia. Comercializara panos e fazendas.

Não estamos brincando de cirandinha, mas estamos a rodar. No cateto oposto, duas padarias: Zanetti e Ré. Não só vendiam "in loco", mas circulavam pela cidade, indo de casa em casa. Como é prazeroso palavrear tudo isso! É um encanto! Não havia outras fábricas de pães a não serem eles. Dava-se a impressão que um era concorrente do outro, se não o eram de fato. Estavam sempre a gritar: "padeeeeirooooo". Recordemos Orlando, João e Zico Zanetti, bem como Mauro e João Ré. À direita da padaria, o Mané do Rádio parede meia com a barbearia de Fulim se encaminhando para o Banco Moreira Sales.

A relojoaria de João Pessoa sempre no mesmo lugar, como também era a casa de Selaimam Manoel Abud, outro sírio libanês radicado nas terras dos laranjais. Nessas imediações a Coletoria Federal na pessoa de Walquirio.

Na mesma linha as duas Casas Pasquotto. Uma delas vendia de chapéus a camisas, armarinhos em geral e a outra trabalhara com eletrodomésticos, bicicletas e ninharias para reposição de peças. Esta lembra Palmiro Pasquotto, a outra: Orlando, Milton e Hermínia. Segundo boca miúda, a irmandade se estendia a: Clóvis, Dirceu, Maria de Lourdes, Olga e Zilda.

Trazer todo esse povo a lume é bom demais, enquanto precisamos deixar sacramentado fatos e casas, citando o solar dos Pires, onde residiram Salatiel e Eliza Pires, Lázaro (Mélinho) e Mére (Mary), bem como outros freqüentadores: Elza, Neréia, Alena, Solon, Antonio, Ulisses e Gáudio.

Entre as Casas Pasquotto, a casa de móveis de Gim Barbieri. Ali existia uma mulher sentada numa cadeira preguiçosa: dona Lucia. Mas não havia nessa mesma calçada uma quitanda? Nos idos tempos, ela funcionara perto de Pedrique. Era Sylvio Franguelli. Antes dele, bar do Dalaneze.

É possível que tenhamos deixado muita gente sem levar a termo, mas vamos para a hipotenusa, começando pelo bazar Longhi, Bar Esporte, a casa de Orlando Zalla e o Bar Central. Neste bar havia um campo de bochas, onde reunia uma população masculina selecionada. No outro, paravam os ônibus da Empresa São Manuel do velho Casquel.

Antes da Rua Dr.Oscar Vieira Sampaio, a casa de Luiz Rovai, conhecido por Ico, homem público, fora vereador e presidente da Câmara Legislativa Laranjalense. Conheci a loja com Kiô à frente, não se esquecendo de Dodô, o nosso amigo José Rovai, Maria Mercedes, Zilê e...

No outro quarteirão o Hotel São João, encostado da Casa Brasília de Gervásio de Zanetti Benetton. E aquele bar que por muitos anos ficara fechado? Uma demanda judicial assim o deixara ? Depois de certo tempo tornara-se Bar Alvorada, onde se comia "bife a parmegiana" nunca visto, feito por Eugênio Moretti. Luvi Paciléo e o genro Odair estavam à testa.

A história é longa. A população comercial fora intensa, sem falar na modernidade que tornou a paisagem muitíssima diferente dos tempos de outrora. Como era essa praça nos idos de cinquenta?

Adilson José Cunha


Caminho das Bicas

Dezoito quilômetros de asfalto separam a cidade do bairro da Graminha em Pindamonhangaba. Ao terminar o negro asfalto, inicia-se o caminho de chão batido em direção ao município do Potim e por conseguinte , acesso às cidades de Aparecida e Guaratinguetá.

Até a encruzilhada do Bairro das Bicas roda-se bem. Uma légua em média. E aí, Bairro das Bicas à vista. É só ir em direção. E não custa muito. Basta ultrapassar a fazenda do "Galvão" e enveredar morro acima. Não demora muito já está no bairro citado. Um bairro entre morros.

Quanto mais se adentra, mais morros meia laranja vem à tona.

No lugarejo entre os morros, dois acidentes geográficos tomam lugar: a estrada e o rio. A estrada leva até o bairro e à "cuesta" da Mantiqueira, de difícil transposição, toda coberta de floresta. Nela estão as verdadeiras nascentes do rio das Bicas. Um é paralelo ao outro. É tão perto um do outro, que a mesma tortuosidade de um é do outro. E os morros que os contornam tem suas vertentes íngremes e, ao olhar os terrenos só se vê pragas sujando pastos: rabo-de-burro, capim-colchão, praga-mineira, lobeira, jurubeba, candeinha, capituva...

Quando o sol está se escondendo atrás daqueles morros, prenúncio de uma tarde longa, surgem os pombais sertanejos, as chamadas "legítimas", que fazem suas revoadas em busca de um lugar para dormir. Aumentam-se em demasia por faltarem os legítimos predadores.

Se a viagem se dá à noite, os curiangos vão dando o ar da graça como também aparecem os lobos Guará. E assim que o sol se levanta , no amanhecer , os jacus , que aparentando uma galinha , estão por entre as árvores. O macho é muito mais bonito que a companheira. Cobiçadíssimos pelos caçadores ,por ter uma carne saborosa, e assim vão se tornando espécies em extinção, o que é um desastre à mãe natureza.

Galgar os morros é extremamente cansativo. O gado está por toda parte, os de raça pura e os mestiços,os que dão leite e os de corte. Não há outro tipo, só o bovino.

Se chove muito cai barreiras , vira um lodo só e a estrada fica intransitável. E as águas do rio ficam barrentas por conduzir sedimentos das partes mais altas. E os montes cada vez mais vão se arredondando pelo desgaste, pela erosão, tanto eólia quanto pluvial. E o leito do rio , nas suas partes mais baixas , vão se entulhando,sendo assoreado, tornando-o mais raso. Quando a estiagem é longa, ou fica um tempo longo sem que as águas tombem da atmosfera saturada, o solo do leito carroçável fica todo solto, virando pó.

O bairro das Bicas é atualmente um vazio demográfico da modernidade. Chega-se a ele em pé, após algumas horas. Muitos vão a ele por sofrer "síndrome do saudosismo",ou banhar-se naquelas águas límpidas.São os turistas das tardes ensolaradas e encaloradas .

Adilson José Cunha

Um Casamento Diferente

São dezoito horas do dia 13 de novembro do ano que antecede o dois mil. Diferente porque aconteceu na residência, local onde se vive o dia a dia. O teto que cobre os casais.

Ao contrário de todos, poucos foram os presentes. Apenas os mais íntimos. E por mais que fosse a casa não comportaria.

Convivas adentrados. Tudo pronto para a celebração do enlace. Nos fundos da sala, ressoava um teclado, entoando algumas seleções musicais, previamente escolhidas. O ambiente é de curiosidade. Todos, ansiosos, aguardavam. Os olhos daqueles que se faziam presentes, não sabiam, se iam em direção do altar improvisado , ou se, se lançavam em direção as escadarias, por onde certamente desceria a nubente.

As testemunhas, quatro de cada lado, ladeavam o lugar da celebração, como que segurando aquele que dentro em breve, tornar-se-ia o esposo escolhido. Ali estão para escutar o "sim"? Até que não eram muitos. Costumeiramente é o dobro. Tudo parecia ser muito requintado, mas tudo foi muito simples.

Os convidados estavam afinados com a celebração, também estavam os músicos, dando a impressão que houve ensaios. Liturgicamente falando: todos celebravam. Não havia como exigir mais.

Deve ter demorado um tanto bom. Uma hora? Quem sabe!

E, como em todas as celebrações nupciais, também ali estavam presentes "os paparazis", os repórteres. Normal. De praxe. Filmagens e fotografias. Sequer perderam as seqüências e os fatos. Nada passou despercebido. E o padre? Falou muito? Quem tem condições de responder? Mas foi diferente. Diferente não foi o rito, como também não foi o jogo do buquê. Até a daminha de honra deu show. Desceu as escadarias como se fosse ela a cônjuge. Passo a passo. Degrau por degrau. Deu a impressão ser ela a dona da festa. Dos fotógrafos nada escapou. Ela foi notada e notável. A noiva que se cuidasse. Mas galhardamente chegou. E nas mãos daqueles que se casavam, depositou o mimo das alianças, tão enfatizado por aquele que oficialmente estava ratificando o consentimento.

Todos estavam satisfeitos. Não só os dois que pela vida toda prometeram amor, mas, mais satisfeitos estavam os convidados, pois, uma vez acomodados, puderam se deliciar do bolo e do champanhe.

Enquanto a festa era regada com champanhe, as nuvens saturadas molhavam as terras áridas.

Enfim, casados. Parabéns Helenice. Parabéns Álvaro. Felicidades.

Adilson Jose Cunha

16/11/1999

Antropomorfização da Natureza

O ser humano, criado com inteligência e com liberdade, usa desses atributos para antropomorfizar a paisagem natural. Destrói e constrói. Em vista disso a escarpa da Mantiqueira está toda depauperada. Mexida e remexida adquiriu feição humana. A vegetação nativa foi sacrificada e em muitos lugares o solo ficou nu.

Muitos bairros rurais foram surgindo ao longo dessa serra e destaque se dê para alguns que fazem parte do dia a dia: Morro Azul, Pedrinhas, Bicas, Ribeirão Grande, Graminha e outros espalhados pelos municípios vizinhos desta terra que adotei para residir.

Um dos bairros citados, o das Bicas, se encontra incrustado aos pés da serra no sopé da Pedra Grande, lado pindense. Dois são os caminhos que conduzem até ele, ou através do Ribeirão Grande ou pela Graminha.

Diz-se presente um riacho, cujos antigos moradores afirmam ter sido um rio de muitas águas, cujas nascentes estão abaixo do Pico de Itapeva, município de Pindamonhangaba, no seu lado oriental ou ainda no lado ocidental do bairro das Pedrinhas, município de Guaratinguetá. Atualmente são poucas as águas que escorrem dessa vertente, lado paulista, pois, a outra se orienta para o estado mineiro. Grandes motivos assim as deixaram: desmatamento, plantação de eucaliptos, formação de pastagens com a gramínea conhecida por braquiara, sem citar o gás carbônico, o grande vilão do sumiço das águas, tanto que o problema delas está a ele relacionado.

Freqüentadores daquela encosta são os cortadores de palmito, espécie nativa daquela "cuesta". A derrubada é desordenada. O que importa é o quanto rende em espécie pecuniária em detrimento de uma floresta exuberante. Estão a serviço dos grandes empresários da rede hoteleira e de outros que formam a escala alimentícia.

A polícia ambiental não dá conta do que está acontecendo naquelas bandas e quando são pegos em flagrante tem suas penas abrandadas pelo poder judiciário.

Juntamente com a flora, deteriora-se a fauna, sem contar as águas que cada vez mais vão se escasseando e, assim, onças, jacus, tucanos, porcos do mato, pacas, quatis e outras espécies, tornam-se em extinção, pois perdem o seu habitat. Essas espécies descem a encosta em busca de alimentação, criando sérios problemas para os moradores que residem na planície. É a urbanização em direção à zona rural. E assim concluiríamos: o homem é o bicho do homem.

Adilson José Cunha

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Mulher

Neste oito de março, em que o mundo lembra-se de você, quero parabenizá-la e enaltecê-la pelo que é e pelo que representa.

Parabenizá-la por fazer-se presente, como mãe e como trabalhadora.

Enaltecê-la, por sublimar o ambiente e encantar o mundo.

Parabenizá-la por ser capaz de ter coragem em transmitir a vida.

Se o mundo não contasse com sua feminilidade, tudo seria rude, grotesco, caótico e sem sensibilidade.

Em vista disso, agradecê-la pelas paisagens e encantos com os quais nos blinda, e, pelos ambientes doces que nos oferece, fazem parte da gratidão.

Por que só no oito de março você é lembrada, se diariamente, com entusiasmo e com um toque mágico, embeleza a universalidade daquele que se diz sexo forte?

Enfim mulher, digne-se com seus feitos e realizações, marcar todos os dias do ano, sendo sempre um ponto de referência na construção de um mundo mais colorido e mais divinizado.

Adilson José Cunha

Uneser